segunda-feira, 31 de julho de 2017

Microcrônicas 2

Microcrônicas
2

a. a. de assis 



1

No princípio era a paz.
Até que uma vez uma cerca se fez.

2

Tão simples, meu santo: “Ame e faça
o que quiser”. O resto é discurso.

3

Terra prometida. A fé abre ao meio o mar
para o amor passar.

4

Estrela cadente. Vaga-lumes
se alvoroçam cobiçando a vaga.

5

Ao luar, no Paraíso, o primeiro jantar
a dois. Que deu no que deu.

6

Posso viver sem ter nada;
porém jamais sem ter-nura.

7

Florzinha silvestre no jardim
do shopping-center. Êxodo rural.

8

Assanhadas rosas. Disputam
a preferência de um raio de sol.




9

Quem foi que afinal tantas florestas
derrubou? Foi o pica-pau?...

                 10

No meio do pasto um ponto
de exclamação. Último coqueiro.

11

Nobre girassol. Como podem,
no mercado, chamá-lo commodity?

12

Mosca na parede. Avisem
à lagartixa que o jantar chegou.

13

Mão de jardineiro. Num leve toque
faz do esterco a flor.

14

Me explique, violeta, explique: como pode,
tão humilde, ser você tão chique?

15

Corrija-se a tempo. Mais de mater
que magistra necessita o mundo.

16

Se tiver apoio, bem que pode
um dia virar trigo o joio.




17

Li num alfarrábio: de pobre se sobe
a rico, porém não de rico a sábio. 

18

Na Idade da Pedra talvez já se
comentasse: – É uma pedra a idade.

                   19

Sabiá caçando. Nem só
de gorjeios vive, mas também de insetos.

20

Perdoa, Platão. Transformamos
a Kallipolis numa Bad City...

21

Outrora havia banda no coreto
do jardim. Onde mora o outrora?

22

Pra lá e pra cá. Enfim,
de que lado ficará o pêndulo?

23

Dizem que a cigarra nada faz
senão cantar. Ah, é indispensável.

24

Troca de alianças.
O futuro escolhido a dedo.




25

Curvada, a velhinha cata
o cocô do cãozinho. Civilização.

26

Ah, espelho meu. Cada vez
que em ti me vejo, vejo menos eu.

27

Na segunda, até os segundos
seguem devagar.

28

Maringá feliz. Abriga e escuta ainda
sabiás e bem-te-vis.

29

Um pingo de luz no topo do
arranha-céu. Brincando de estrela.

30

Parábola bela. Mas e a mãe
do filho pródigo, onde estava ela?

31

Balança o palanque. O peso
na consciência do nobre orador.

32

As rosas no cio. Sedutoramente
esperam pelo beija-flor.




33

Cada mês que passa vai passando
a ser passado. Nós também.

34

Santo mesmo é o peixe. Sequer
precisou da arca para se salvar.

35

Casal de velhinhos na janela
olhando a Lua. Tão longe a de mel...

36

Futuro adiado. Ainda há gente
que namora escrevendo cartas.

37

Doce portuñol. Para los niños
los nidos... y los abuelos.

38

Do dente por dente ao voto
por dentadura. A lei da mordida.

39

Flores na enxurrada. Vão ter afinal
bom hálito as bocas de lobo.

40

Veja a parasita: parece gente
que a gente acha até bonita...




41

Teste de audição. Canta ao longe
um passarinho... e eu posso escutar.

42

Ouro, incenso e mirra. Que será
que fez Jesus com tais luxozinhos?

43

Tens que ter estudo.
Sem estudo és nada.

                  44
       
Cubram-se as estrelas. Tem gente capaz
de ao vê-las lhes roubar as pilhas.

45

Tão meninas elas, as meninas
dos teus olhos. Pedem colo, ainda.

46

Garrincha e Pelé. Depois deles
nunca mais houve igual olé.

47

Crocante e cheiroso, com garapa,
na feirinha. Pastel de saudade.

48

Um pulo, medalha. Milhões
de cabeças boas tão longe das loas.




49

Chovem meteoritos. Enxame
de pirilampos na noite da roça.

50

Na fila de idosos, troca-troca
de sintomas. Quem não tem inventa.

51

Nós e os nossos rios, cada qual
segue o seu curso. Reencontro na foz.

52

Labor, ciência e ternura. Quanto mais
amado, mais produz o chão.

53

Viva a companheira... Valeu
perder por ela o jardim do Éden.

54

Zunzunzum... zunzum... É um pernilongo
brincando de fórmula um.

55
 
Menina se abaixa, acaricia a flor,
sorri. Amigas se entendem.

56

Apressados passos passam
nas pistas do parque. Por que não passeiam?




57

Era  transromântica. A poesia
hoje se nutre na física quântica.

58

Homo erectus. Não nasci para ser
vírgula; sou ponto de exclamação.

59

Um homem ao relento no gelado
chão. Por que não samaritamos?

60

Tinha um pé de pinha no quintal vizinho.
Tinha. Nem quintal tem mais.

61
Era um frango assado, e além de assado
era assim. Teve à mesa um fim.

62

Velhinhos na praça jogando
conversa fora. Também jogam damas. 

63

Era uma era em que o neto
ouvia histórias do avô. Aí veio o celular...

64

Matuto, matuto... chego enfim
à conclusão: que matuto eu sou...





65

Nunca fui à Lua. Tampouco a Viena.
Porém amo as duas.

66

O Sol que se cuide. Volta e meia
a meia-lua chega em casa cheia.

67

Ave, avós. Hão de um dia
devolver a vós a voz.

68

Amor é isto e tão só: ou dá certo
e é fogo vivo, ou dá curto e vira pó...

69

Mataram Jesus.
E Jesus queria apenas acender a luz.

70

"Deixai vir a mim, em paz e sãs,
as criancinhas." Não estão deixando.

71

Serra-serra, será dor.
Cessa a serra, será flor.

72

Que bom ver de novo o verde.
Ver de novo a vida.




73

No cosmo, a cosmética: o puro,
a verdade e o bem. A perfeita estética.

74

“Pedro, tu és pedra”. Empresta
uma a Francisco pra reconstrução.

75

Um pingo... dois pingos... não parou
mais de pingar. E se fez o mar.

76

Nobre flamboyant. O facho que traz
nos cachos acende a manhã.

77

Branquinhas, branquinhas,
voam as garças em V. Vitória da paz.

78

Profissão de fé: eu creio
que Deus existe porque Deus existe.

79

Infinda é a esperança. Os galos
cantam ainda na aurora de cada dia.

80

Bem-aventurados os que sonham.
Chama-os Deus poetas.



Maringá
Edição do autor
2017

© Copyleft 2017 Antonio Augusto de Assis
(Autorizo cópia do todo ou de partes, 
desde que citem o autor e a fonte)

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